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Resenha: Dália Negra – A Essência da escrita "noir" de James Ellroy

Atualizado: 30 de dez. de 2023



Jamais a conheci em vida. Ela existiu para mim através dos outros, como prova dos caminhos em que a sua morte os lançou. Voltando ao passado, buscando apenas fatos, eu a reconstruí como uma menina triste e uma prostituta, quando muito alguém que poderia ter sido, rótulo que também poderia se aplicar a mim.


Dália Negra é o livro que colocou James Ellroy nos holofotes da literatura americana no final dos anos 80. Trata-se de um romance policial clássico com muita conexão com o cinema Hollywoodiano. É um tipo de romance que já nasce com forte vocação para ser roteirizado para as telonas. Quando uso o adjetivo “clássico” aqui, não me refiro aos clássicos que criaram o gênero do Romance Policial, como Agatha Christie ou Conan Doyle, mas sim do subgênero Romance Noir, surgido nos EUA na década de 30, tendo como principal expoente Raymond Chandler.


Ellroy não trabalha com detetives acima de qualquer suspeita como um Sherlock Holmes ou um Hercule Poirot, mas sim com um detetive que se enquadraria perfeitamente no termo “Hard Boild”, um detetive essencialmente humano, por isso cheio de vícios e paixões que o controlam.


Dália Negra tem 37 capítulos. O estilo de Ellroy é marcado pela inquietação. Suas frases são em geral curtas e autoexplicativas. Mas nem por isso devemos taxá-las de superficiais. Há muitos momentos reflexivos, mas na maior parte das vezes são os personagens que conduzem a história, por meio de longos diálogos. O núcleo da história principal se dá em torno dos policiais Dwight Bleichert e Lee Blanchard, Kay, a esposa de Blanchard e Madeleine, alguém com quem Bleichert – também conhecido como Bucky – se envolve durante a trama.


A história é contada pelo ponto de vista do policial do LAPD (Departamento de polícia de Los Angeles) que é o narrador da história. Podemos considerá-lo como um “narrador não confiável”, pois há muitos elementos que depõem contra sua reputação.


A história se passa na Los Angeles de 1947. E tem como pano de fundo as investigações do assassinato de Elizabeth Short. Uma aspirante a atriz que aos 23 anos foi brutalmente torturada, estuprada e assassinada e seu corpo foi deixado em um terreno baldio cortado em duas metades, sem sangue e com alguns órgãos faltando. O mais assustador era um corte profundo que dilacerava sua boca, o que fazia com que o cadáver aparentasse estar sorrindo.



Elisabeth Short a Dália Negra

Esse assassinato realmente ocorreu. E ele permanece até hoje sem solução. É talvez o crime de homicídio mais famoso da história dos EUA. Muito já foi escrito sobre ele, incluindo romances e livros de não ficção. Filmes e séries famosas já foram produzidas sobre o tema, como American Horror Story. Ou seja, James Elroy usou um caso real para construir sua história.



O romance começa contando a história de como os policiais Lee Blanchard e Dwight Bleichert se conheceram. Ambos eram ex-boxeadores. Mesmo nunca tendo lutado um contra o outro antes, ambos se conheciam de nome, afinal os dois tinham uma certa fama entre os adoradores de box da cidade. A história começa pontualmente quando os dois já trabalhavam para o departamento de polícia de Los Angeles (LADP).




James Ellroy e Eder Jofre, quando se conheceram em 2011

Como forma de popularizar o departamento e de aquecer o mercado de apostas que era frequentado por muitos de seus superiores, eles decidem fazer uma luta entre os dois com suporte do departamento de polícia. E aqui é interessante abrirmos um parêntese. James Ellroy é fã incondicional de box. Me recordo uma vez que ele veio ao Brasil em um evento literário – FLIP - Feira Literária Internacional de Parati de 2011 – e ele quis conhecer Eder Jofre. Para quem não sabe Eder Jofre foi o maior pugilista brasileiro da história. Ele morreu no ano passado (2022).


A luta entre os dois policiais foi bem disputada e não importa aqui quem venceu (Leiam o livro), mas depois da luta a relação dos dois fica mais próxima e são colocados para trabalhar juntos na divisão de capturas. A polícia de Los Angeles, e creio também que a polícia dos EUA de uma forma geral, tem vários setores. Narcóticos, homicídios, patrulhas e tem o pessoal da divisão de capturas que é responsável por capturar os caras que têm mandados de prisão contra eles.


Só que quando ocorre o assassinato de Elizabeth Short, Blanchard fica obcecado pelo caso e pede para o seu superior colocarem eles no caso, pois o caso precisava ser solucionado o mais rápido possível, afinal a imprensa estava em cima e a população cobrava uma solução. Bleichert acabou sendo convencido a entrar no caso, mas ele relutou muito, afinal eles já tinham muito trabalho no departamento de capturas, mas depois de muita conversa ele aceita.


Os dois começam a investigar o assassinato, e é justamente aí que Blanchard começa a ter um comportamento um tanto estranho. Começa a usar drogas para manter o foco, basicamente para não dormir. Ele aluga um quarto de hotel só para estocar os arquivos do caso Elizabeth Short, que agora já se chamava Dália Negra. Esse nome foi dado por um repórter que se inspirou no filme “Blue Dhalia” (Dália Azul) do ano anterior. Ele passou a usar o termo Black Dhalia, (Dália Negra) pois a vítima era sempre vista pela cidade usando um vestido preto e, o restante da imprensa o copiou.


O romance é muito complexo. Há várias outras histórias acontecendo ao redor do fio condutor do romance que é a investigação do assassinato de Elizabeth Short. E nos capítulos finais somo submetidos a várias reviravoltas burlescas e improváveis. O que pode frustrar alguns leitores e agradar vários outros.



Filme "A Dália Negra" de Brian De Palma, com Scarlett Johansson, Hilary Swank, Aaron Eckhart e Josh Hartnett no papel do protagonista Dwight Bleichert

O livro, como era de se esperar, foi levado aos cinemas em 2006 pelo diretor Brian De Palma. O filme retrata bem a Los Angeles dos anos 40, com seus conflitos urbanos e uma polícia corrupta. A produção é muito boa. A atmosfera noir é bem construída com cores neutras e muito pouca saturação. O elenco conta com Scarlett Johansson, Hilary Swank, Aaron Eckhart e Josh Hartnett no papel do protagonista Dwight Bleichert. Eu confesso, no entanto, que o ritmo pausado e as atuações muito caricatas tornam o filme meio enfadonho em alguns momentos, mas vale a pena assistir.



Na minha opinião esse romance é bem didático no que diz respeito a uma história Noir. Há todos os elementos ali. Temos um crime bárbaro, corrupção policial, traição, violência doméstica, violência policial, pornografia, politicagem, dilemas existenciais e uma boa dose de suspense. Eu diria que a escrita é um pouco prolixa e as vezes dá mais informações do que o necessário. Creio que isso se deve ao olhar cinematográfico do autor que cresceu e viveu nos arredores de Hollywood, o que fez também tornar-se um roteirista.


Esse romance demonstra maturidade do autor, que já havia escrito no mínimo seis outros romances antes desse, o que deu a ele uma boa base teórica para chegar até aqui. Outro elemento interessante é que todas as informações sobre o assassinato de Elizabeth Short são realmente muito bem fundamentadas na realidade. Ellroy disse em várias entrevistas que esse caso foi tão emblemático em sua vida que ele ficou 9 anos investigando-o por conta própria.


Devemos lembrar que James Ellroy perdeu sua própria mãe em 1958. Geneva Odelia Hilliker Ellroy foi estuprada e estrangulada até a morte quando o pequeno James tinha apenas 10 anos de idade. O assassino nunca foi descoberto, e seu pai sempre tentou culpabilizar a mãe diante do filho, pela sua própria morte. Isso de certa forma explica a obsessão de James Ellroy pelo gênero investigativo.


Portanto temos aqui uma obra muito técnica, com um enredo complexo e cheio de reviravoltas. Uma leitura muito agradável para quem não se importa com o excesso de realidade que o autor traz à tona.






Ficha técnica

Título: Dália Negra

Título original: Black Dhalia

Autor: James Ellroy

Editora: BestBolso

Tradução: Claudia Sant’Ana Martins.

Ano de Lançamento: 1987

Lançado no Brasil: 2011

Gênero: Romance Americano/Ficção

447 páginas





André Stanley é historiador, professor de Inglês, espanhol e português para estrangeiros. Autor do livro "O Cadáver", editor do Blog do André Stanley. Possui um canal no Youtube onde fala de literatura, design e outros temas. Colaborador do site Whiplash, especializado em Heavy Metal. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.


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