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Resenha – O que você está fazendo aqui? A vida e a libertação de uma mulher negra no Heavy Metal.

Atualizado: 20 de abr. de 2023


Laina Dawes -fotógrafa, crítica musical e escritora.
Como uma pessoa negra e como uma mulher, posso não ter sido benvinda, pois os olhares e a hostilidade no ar teriam feito com que minha presença ali se tornasse desconfortável para todos. (Laina Dawes)*

“What Are You Doing Here? A Black Woman's Life and Liberation in Heavy Metal” (O que você está fazendo aqui? A vida e a libertação de uma mulher negra no heavy Metal – tradução minha) livro lançado em 2012 pela fotógrafa, escritora, jornalista e crítica musical Laina Dawes, ainda é um dos poucos que ganhou relevância ao tratar da presença – muitas vezes não notada – da mulher negra no Heavy Metal.


O livro conta com o prefácio da cantora e ativista Skin do Skunk Anansie. Além de Skin, Laina entrevistou várias outras musicistas e também fãs negras da cena. Ela apresenta ao leitor uma série de musicistas e bandas que muitos – eu incluso – nunca haviam ouvido antes, e é justamente esse o grande serviço prestado por essa obra. Segundo a autora seu trabalho se resume basicamente em “encontrar e criar uma voz para as que não têm voz.” (Laina Dawes)*


Skin - Skunk Anansie

Bandas consagradas como o Mother’s Finest e Skunk Anansie dividem as páginas deste livro com expoentes – naquela época – como as cantoras de Metal, Saidah Baba Talibah, Militia Vox do Judas Pristess, Rowe do Tetrarch, Urith Myree do Dormitory Effect, Alexis Brown do Straight Line Stitch, além das cantoras de punk rock Felony Melony e Yvonne Ducksworth líderes das bandas The Objecx e Jingo de Lunch respectivamente.


Além destas, temos importantes palavras de Tamar-Kali, que ganhou notoriedade na cena punk ao participar do documentário “Afropunk” (2003), que mostra a vida de negros que aderem ao movimento punk. Ou seja, a autora procura dar voz à essas musicistas negras que encontraram seu lugar no metal, no punk ou no hardcore, no entanto, não foram encontradas por grande parte do público desses estilos. Sobre as várias vozes contidas nesta obra, em alguns momentos chegamos a nos perder na leitura e não sabemos se é a autora ou alguma das entrevistadas falando. O estilo norte-americano de aspas não ajuda muito quando estamos muito imersos na leitura.


Tamar-Kali Brown

Fazendo uma rápida pesquisa no Google descobrimos que algumas dessas musicista estão fora da cena hoje em dia. por outro lado, é bom saber que, depois de 10 anos de lançamento do livro, a maioria das entrevistadas por Laina Dawes ainda está na estrada e algumas até mesmo voltaram à cena depois de anos de hiato, como o próprio Skunk Anansie e o Straight Line Stitch.


Laina Dawes se embrenhou no underground do underground em uma caçada por companheiras negras que assim como ela, não se encaixavam nos estereótipos construídos em relação à comunidade negra, onde era vista com estranheza por usar roupas não identificadas com o hip-hop ou com a black music e por gostar de “música de gente branca”. Por outro lado, a comunidade headbanger, tampouco a aceitava como uma igual, segundo ela, era um grande desconforto estar presente em uma situação de “tensão silenciosa centrada ao redor do fato de estar em um espaço social onde sua presença é considerada uma anomalia” (Laina Dawes)*


A autora não poupa críticas à hipocrisia da cena ao expor que a tão apregoada irmandade entre os headbangers tem grande dificuldade em aceitar uma mulher negra em seu meio.


Os gêneros musicais metal, hardcore e punk que são com frequência vistos como espaços inclusivos e centrados em um espírito de comunidade, mas falham em bloquear os problemas de raça e gênero que existem no mundo exterior. (Laina Dawes)*

Dawes também visitou escritos anteriores de algumas de suas colegas, como a jornalista Keidra Chaney que escreveu um artigo sobre o mesmo tema anos antes, onde diz que:


A sabedoria convencional sustenta que gente negra “normal” não ouve Heavy Metal. Como café descafeinado, uma mulher headbanger negra é algo que não faz sentido para muita gente. O que eu poderia achar atraente no Heavy Metal, visto que como não refletia minha experiência de vida ou minha identidade cultural de nenhuma forma tangível?” (Keidra Chaney,)*

Skin, líder do Skunk Anansie, é enfática ao destacar algumas experiências não muito boas vividas por ela, principalmente pelo fato de ser negra. Sobre a recepção de sua banda nos EUA, ela destaca:


Os EUA, em particular, foram muito difíceis em três níveis: Foi difícil por eu ser uma mulher a frente de uma banda de rock, foi muito difícil por eu ser uma negra a frente de uma banda de rock e foi difícil por eu ser uma mulher de cabeça raspada a frente de uma banda de rock. Tivemos muitas barreiras que nos tornaram outsiders, mas ao mesmo tempo, estas situações também nos trouxeram um belo suporte (Skin)*


Jada Pinket Smith ao vivo com o Wiked Wisdom

Dawes cita a ocasião em que a atriz Jada Pinckett Smith (recentemente nos holofotes por ter sido alvo de uma piada de Chris Rock na cerimônia do Oscar 2022, levando seu marido, o ator Will Smith, a dar um soco na cara do comediante em rede mundial) anunciou que seria vocalista de uma banda de Nu Metal. Jada Smith formou o Wiked Wisdom em 2002 e logo foi banda de abertura de Britney Spears e foi atração do icônico festival Ozzy Fest - organizado por Sharon Osbourne - mas, apesar de dispor de alguns holofotes por sua conexão com o mundo hollywoodiano a banda de Jada não decolou.


Para entender o que pode ter ocorrido com a breve carreira da banda da Senhora Smith, Dawes escarafunchou os fórum dos sites especializados que cobriram a edição do Ozzy Fest que contou com a participação do Wiked Wisdom. Ela constatou que os fãs pegaram pesado com a vocalista. E não eram críticas à sua performance ou a sua música, foram os xingamentos racistas que deram o tom das críticas. Ou seja, nem mesmo o poderio de Hollywood foi capaz de dar protagonismo a uma mulher negra no Metal. Obvio que outros fatores contribuíram, afinal estamos falando de uma banda que em menos de dois anos de existência já tocava em um dos maiores festivais de rock do mundo, quais as chances de uma banda sem história cair no gosto dos fãs? Zero. Afinal, às vezes, até os medalhões do estilo são hostilizados nestes festivais vez ou outra.


O livro de Dawes é um trabalho primoroso de jornalismo, revisão bibliográfica com toques autobiográficos e entrevistas centradas no tema de como é ser uma mulher negra em um mundo de gente branca. Ao final do livro há uma série de questionários que a autora usou para sua pesquisa que podem ser bem interessantes para quem gosta de dados. Mas o ponto alto do livro é realmente as conclusões que a autora chega como podemos ver nesse trecho:


“Para mim e para as fãs negras que eu entrevistei, o Heavy Metal nos ajudou em períodos de conflitos pessoais, mesmo quando nós pensávamos em silêncio, como não perdemos nossa sanidade. A música alta e às vezes agressiva nos permite extravasar nossas frustrações, gritar e berrar e pôr para fora emoções que não são exatamente aceitáveis expressar em público.” (Laina Dawes)*

Straight Line Stitch

Infelizmente, 10 anos após o lançamento, o livro ainda não ganhou nenhuma tradução para o português, o que, de certa forma, demonstra que o tema ainda não foi devidamente enfrentado pelo público brasileiro de Metal. Será que não temos mulheres negras que gostam de Heavy Metal? Fica a minha pergunta.


Em síntese, essa obra nos põe diante de uma triste realidade que não é trazida à tona no meio da música pesada, nem no Brasil - cuja maioria de sua população é negra ou parda - nem em lugar nenhum do mundo.


As mulheres passaram décadas tentando se inserir no Heavy Metal como musicistas, compositoras e líderes de bandas, revertendo - até certo ponto - o contexto de misoginia ao qual estavam inseridas, principalmente na década de 1980 quando eram muitas vezes tratadas como simples adornos de palco ou modelos objetificadas para capas de discos de bandas como Kiss e Manowar – e ainda continuam a vencer batalhas em relação a isso. No entanto, a mulher negra ainda parece percorrer uma via mais árdua e solitária nessa jornada.


*tradução minha.


Título original: What Are You Doing Here? A Black Woman's Life and Liberation in Heavy Metal

Língua: Inglês

Autora: Laina Dawes

Editora: Bazillion Points

Número de páginas: ‎ 285 páginas

Ano de lançamento: 2012


Sites Úteis sobre o tema:

Skunk Anansie official Website: https://skunkanansie.com/







André Stanley é escritor e professor de História, inglês e espanhol. Também atua como designer gráfico e fotografo. É autor do livro "O Cadáver" e editor dos blogs: Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher. Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys.



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