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Resenha: A garota da banda: Uma autobiografia – Kim Gordon

Atualizado: 27 de mai. de 2023


Imagem - A garota da banda - Kim Gordon - André Stanley Creation
“Culturalmente, nós não permitimos que as mulheres sejam tão livres como elas gostariam, porque isso é assustador. Nós ou rejeitamos essas mulheres ou as consideramos loucas.” (Kim Gordon)

Este livro é uma autobiografia da baixista e vocalista Kim Gordon da banda Sonic Youth. Kim, juntamente com seu marido Thurston Moore, formaram a banda no início dos anos 80 com uma proposta de muito experimentalismo influenciado pelo punk rock. O Sonic Youth é muitas vezes colocado dentro do rótulo Indie Rock ou Rock Alternativo – do qual são considerados pioneiros – mas, podemos encontrar elementos do Noise Rock e do chamado Pós-punk. Como podemos ver, a banda se encaixava em vários rótulos e ao mesmo tempo não parecia se identificar com nenhum. O som dos caras é marcado pela dissonância parcial ou total das guitarras. Sobre isso a senhorita Gordon diz:


“Quando as pessoas perguntavam para o Thurston ou para mim por que a música do Sonic Youth era tão dissonante, a resposta era sempre a mesma: nossa música era realista e dinâmica, porque a vida era assim, cheia de extremos.” (Kim Gordon)

Confesso que nunca fui um grande fã da banda. Musicalmente falando eles parecem estar um passo à frente do meu limite de doidera sonoras. Decidi ler o livro pois estou trabalhando em uma nova obra sobre a “revolução feminina” no Heavy Metal e apesar de o Sonic Youth – e muito menos Kim Gordon – não estarem relacionados ao mundo do Metal, é inegável que eles foram ícones de uma proposta alternativa de rock, experimentando novas sonoridades e onde a figura da mulher era também secundária assim como no Metal oitentista. A meu ver, Kim Gordon compartilhava de uma história bem parecida com as mulheres que ousaram fazer parte de movimentos musicais de vanguarda da década de 1980. Sobre sua atração por uma forma de manifestação artística dominada por homens, Kim irá dizer no capítulo 16:


“Homens tocam música. Eu adorava música. Eu queria chegar perto do que quer que fosse que os homens sentiam quando estavam juntos no palco – para tentar absorver aquela coisa invisível. Não era sexual, mas também não era assexual. A distância importava nas amizades masculinas. Frente a frente, os homens muitas vezes não tinham muito o que dizer uns aos outros [...] as amizades masculinas tinham formato triangular, e isso permitia que dois homens tivessem uma forma de intimidade. Em retrospectiva, foi por isso que entrei para uma banda, para que eu pudesse estar dentro da dinâmica masculina, não olhando para dentro através de uma janela fechada, mas olhando para fora.” (Kim Gordon)

Kim Gordon começa contar sua história pelo fim. Ou seja, ela define o fim da banda como o marco inicial de sua obra; e para o público brasileiro há um gosto especial nesse aspecto, afinal o último show do Sonic Youth ocorreu em nossas terras, no dia 14 de novembro de 2011 no festival SWU que ocorreu na cidade de Paulínia no interior de São Paulo. O casal já veio para o Brasil separado e o show foi muito intenso justamente pelo clima soturno enfrentado pelos membros do grupo.


Assista um pedaço da apresentação disponível no Youtube:


Kim não esconde seu rancor em relação ao seu marido e companheiro de banda. Isso ocorre já no prefácio do livro onde ela relata o quão suas emoções estavam a flor da pele naquele show final no interior de São Paulo. Ela dá detalhes de quando descobriu a traição do marido em mensagens de celular. É muito desagradável notar que a infidelidade de Thurston Moore não só deu fim a 27 anos de casamento como também deixou milhões de fãs do Sonic Youth órfãos da banda.



A baixista com o ex-marido Thurston Moore e, à dir., com o Sonic Youth (1986). (Foto: Divulgação, Getty Images e Reprodução)


Apesar do mencionado rancor da autora – e as razões para isso são claras – a obra é muito bem escrita. Kim cobre toda carreira da banda, usando os lançamentos dos álbuns do Sonic Youth como linha cronológica de sua narrativa. Os capítulos iniciais, no entanto, ela reserva para contar sua história anterior ao Sonic Youth, onde ela fala sobre sua vida com seus pais acadêmicos e seu irmão que futuramente seria diagnosticado com esquizofrenia.

E sobre essa fase, a autora faz reflexões bem interessantes:


“Famílias são como pequenas aldeias. Você sabe onde está tudo, como tudo funciona, sua identidade é fixa, e você não pode realmente sair ou se conectar com qualquer coisa ou qualquer um de fora, até que não esteja mais lá fisicamente.” (Kim Gordon)

Não há uma linha absolutamente retilínea na narrativa da autora. Não raramente, Kim utiliza de um tempo in media res introduzindo o capítulo com um relato mais contemporâneo e insere flashbacks para conduzir a história. Kim analisa seu papel como artista e seu papel como mulher artista. Também fala da recepção do público em relação à sua performance. Assim ela diz:


“Quando comecei a tocar no palco, eu era bastante insegura. Eu só tentava tocar meu baixo, torcendo para que as cordas não arrebentassem e que o público tivesse uma boa experiência. Eu nem pensava no fato de ser uma mulher, e, ao longo dos anos, posso dizer honestamente que quase nunca penso em “coisas de menina”, a não ser quando estou usando saltos altos, e aí é mais provável que eu esteja me sentindo um travesti [...] Mas ser a mulher que ultrapassa os limites significa que você também traz aspectos menos desejáveis de si mesma. No final do dia, é esperado que as mulheres sustentem o mundo, não que o aniquilem.” (Kim Gordon)

O livro é também um ótimo relato do surgimento da primeira leva de bandas de Rock Alternativo nos EUA dos anos 80. Kim faz um apanhado geral dos nomes do estilo que estavam na órbita do Sonic Youth. Assim ela diz:


“A música estava ficando interessante de novo, graças a bandas noise, como o WOLF EYES e o LIGHTING BOLT, e mais mulheres apareciam no que antes era uma cena masculina de colecionadores de discos.” (Kim Gordon)

Kim Gordon também deixa claro seu desconforto com o sensualismo gratuito de algumas mulheres da cena e relata seu “próprio incômodo em agir conforme um papel predeterminado” (Kim Gordon)


“Mas eu me recusei a entrar no jogo. Eu não queria me vestir como Siouxsie Sioux ou Lydia Lunch, ou fazer o papel de uma mulher imaginária, alguém que tinha muito mais a ver com eles do que comigo. Eu simplesmente não era assim.” (Kim Gordon)

Enfim, temos aqui uma ótima leitura. A história de uma artista de vanguarda que entrou para o mundo da música por acaso, buscou sua própria forma de expressão e conseguiu certa evidência no mainstream. O Sonic Youth chegou a gravar alguns videoclipes que foram bem assistidos na MTV durante a década de 1990. A fama e o assédio da imprensa e dos fãs não pareceu afetar a vida de casados, de Kim Gordon e Thurston Moore. Suas questões familiares não pareciam, de forma alguma, dissonantes. Pelo contrário, a impressão geral era de uma vida harmônica.


Enquanto Kim viajava para promover sua marca de roupas, suas exposições de arte plástica ou algum projeto artístico, Thurston ficava em casa cuidando da filha do casal e parece que foram bem-sucedidos na educação da jovem Coco. A pequena chegou a acompanhá-los em algumas turnês, mas eles também chegaram a mudar de cidade para manter a filha em uma boa escola e longe da badalação do mundo do Rock n’ Roll.


O livro de Kim Gordon é um relato importante, em 53 capítulos, de alguém que viveu um período histórico muito criativo do Rock estadunidense. Vale lembrar que nessa mesma leva de bandas surgiram ícones como ALICE IN CHAINS, R.E.M, JANES’ ADDICTION, NIRVANA dentre outros. Kim Gordon parecia ser uma figura muito respeitada nesse mundo seleto do rock alternativo. Mesmo sendo uma das poucas mulheres nessa cena inicial, ela não parecia querer usar isso como uma bandeira ou como um diferencial. Aliás ela se diz surpresa quando repetidas vezes os jornalistas perguntavam a ela “como era ser a garota da banda?” Para Kim Gordon isso não era algo digno de reflexão, ela nunca entendeu o porquê ser uma mulher em uma banda de rock era tão relevante.


Não pense que a garota da banda caiu no ostracismo após o fim do Sonic Youth. Kim Gordon criou outros projetos no campo da música, como o BODY/HEAD em parceria com Bill Nace. Ela também se embrenhou pelo mundo das artes plásticas – e parece que esta é a sua atividade principal hoje em dia.



A Garota da banda: Uma autobiografia – Kim Gordon

Tradução: Alexandre Matias e Mariana Moreira Matias

Fábrica 231 - 2015







André Stanley é escritor e professor de História, inglês e espanhol. Também atua como designer gráfico e fotografo. É autor do livro "O Cadáver" e editor dos blogs: Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher. Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys.

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