Lolita – Ler ou não ler a obra controversa de Vladimir Nabokov?
Atualizado: há 4 dias


Trata-se de um clássico da literatura mundial, portanto, muito já foi escrito a respeito desse livro e muito ainda o será. Baseado nas resenhas jornalísticas e críticas sobre essa obra muitas pessoas se recusam a lê-lo. Talvez por um pudor exacerbado ou pelo desconforto que o enredo poderá gerar, ou até mesmo por uma visão exotérica de não nos aproximarmos de pessoas subversivas.
É compreensível que as pessoas se sintam desconfortáveis, mas do outro lado da balança está a privação a um romance altamente técnico e bem construído. O fato de tratar das aventuras sexuais de um homem manipulador de meia idade com uma menina de 12 anos, com tamanha maestria parece absurdo. Ao mesmo tempo é compreensível que a literatura conte histórias absurdas e chocantes e aborde temas tabus, como a pedofilia e a obsessão sexual.
A literatura como arte não serve – ou não deveria servir – à consolidação dos anseios sociais da população. Ela deve sim criar mundos. Criar histórias verossímeis para que cada leitor se aproprie desse mundo que de outra forma não conseguiriam ter contato.
A matéria prima da literatura é o próprio homem - ser humano - e as relações que ele estabelece com os outros. Nesse sentido, Nabokov buscou suas fontes não no mundo que ele gostaria que existisse, mas no mundo que já existe.
Sendo assim, o autor foi feliz em explorar uma faceta obscura do ser humano de forma realista e perturbadora. Quando digo realista, quero dizer que ele não se deixou levar pelo moralismo exacerbado e deveras utópico de sua época e deu voz a um personagem patologicamente obscuro, com todos seus demônios interiores sendo expostos em primeira pessoa. Ao fim e ao cabo o que queremos definir como literatura? Um romance que constrange as regras sociais, ou um manual de bons costumes?
Sobre a obra, é preciso dizer que a narrativa é precisa, a genialidade de Nabokov é evidenciada a cada capítulo. As passagens são uma sucessão de coincidências trágicas - e até tragicômicas em algum momento - que marcam estrategicamente o enredo, dando uma dinâmica essencial ao desfecho de cada situação.
Trata-se de uma narração em primeira pessoa das memórias do professor universitário francês Humbert Humbert que vive nos EUA. Humbert se apaixona por Dolores Haze, uma adolescente de 12 anos que ele chama carinhosamente de "Lolita". Paixão que vai levá-lo a fazer qualquer coisa para possuí-la. Sua conduta criminosa é narrada de forma crua e detalhada por ele próprio.
A história é construída a partir de suas memórias sobre essa paixão incontrolável, que o leva a uma longa viagem pelas estradas de alguns estados americanos em uma sucessão de contos subversivos e chocantes.
O narrador busca justificar suas ações, como se estivesse tentando convencer o leitor da inevitabilidade de seus atos. Muitas vezes em tom confessional. Em várias passagens ele se auto intitula como um pervertido sexual. Mas nunca demonstra a intenção se redimir.
Com essa obra Nabokov introduz – ou pelo menos populariza – uma nova palavra ao dicionário de língua inglesa. O termo nymphet – traduzido para o português como ninfeta – é cunhado pelo algoz de Lolita, para descrever o objeto de sua obsessão. Hoje o termo ganhou traços mais comportados, como uma mulher adulta de traços joviais, porem, dentro da concepção pedófila do personagem de Nabokov, esse adjetivo se aplicava especificamente a meninas pré-adolescentes.

As questões levantadas a cada uma de das ações de Humbert, parecem ser as seguintes: Será que Humbert é um doente que precisa de tratamento? Será que ele está simplesmente apaixonado e não tem culpa de seus atos? Ou será que ele é um monstro inescrupuloso? O livro não se presa a responder essas questões, deixando o leitor tirar suas conclusões.
Ou seja, se você está com receio de ler o livro devido as polemicas que ele levanta, este é um bom argumento. Mas, convido você a refletir sobre o fazer literário.
Mesmo que Lolita tenha sido estereotipada como como uma Femme fatale, no fim é possível compreender que ela é a vítima. Mesmo que a literatura não tenha a intensão de ensinar, é possível entrar em contato com um lado sombrio do ser humano, ao ler esse livro e tirar dessa experiência boas lições.
Para quem gosta de literatura e se aventura pela escrita é importante conhecer, um pouco, de como funciona a cabeça de um criminoso, isso enriquecerá seu repertório de personagens que carregam mundos complexos dentro de si e que por isso nos fazem pensar sobre nós mesmos e nossas relações com os outros.
Ficha técnica:
Livro: Lolita
Autor: Vladimir Nabokov
Ano de Lançamento: 1955
Editora: Penguin
País: EUA
Gênero: Romance Americano/Ficção
Páginas: 360
André Stanley é historiador, professor de Inglês, espanhol e português para estrangeiros. Autor do livro "O Cadáver", editor do Blog do André Stanley. Possui um canal no Youtube onde fala de literatura, design e outros temas. Colaborador do site Whiplash, especializado em Heavy Metal. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.